O projeto “Ucrânia além fronteiras: Portugal. Emigração em retratos” apresenta uma série de entrevistas com ucranianos que vivem em Portugal. Este é um projeto de investigação da comunidade ucraniana em Portugal. Sendo um projeto bilingue, por um lado ajuda os ucranianos a conhecerem melhor a vida dos seus compatriotas, as suas histórias, especialmente aqueles que também vivem no estrangeiro, por outro lado, pretende tornar mais visíveis os estrangeiros que vivem na atual sociedade portuguesa, que se caracteriza por uma forte multiculturalidade, na qual os ucranianos ocupam um lugar significativo.
O projeto pretende, ao aprofundar o conhecimento sobre a vida dos ucranianos, entender melhor as dificuldades com que se deparam, o nível de sucesso na integração, como preservam a sua identidade e o impacto que têm na vida portuguesa.
A autora do projeto Galyna Komar sublinha: “Vemos as diferenças entre pessoas e culturas, não como o que nos separa e fecha, mas sim como aquilo que se pode partilhar e conhecer, reconhecendo a diversidade e riqueza cultural do mundo, e do que significa ser humano”.
Iniciamos esta série de entrevistas com a conversa com uma ativista social ucraniana -Tatyana Franchuk.
Autora: Galyna Komar
Fonte: “Ucrânia além fronteiras: Portugal. Emigração em retratos”
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— Tanya, conta-nos, por favor, a história de tua vinda: como é que tu vieste para Portugal? O que te trouxe para este país?
— Foi o amor que me trouxe aqui. Eu viajei muito activamente através de “CouchSurfing” – um projeto onde as pessoas podem encontrar lugar para dormir, gratuitamente, em qualquer ponto do mundo, fazendo uma viagem mais interessante, conhecendo as pessoas que aí moram, partilhando experiências culturais e vivências. Quando o meu futuro marido, ele é português, viajou para a Ucrânia, também através de “CouchSurfing” ficou na minha casa. Eu mostrei-lhe Kiev, a minha cidade natal, e, um ano depois, a convite dele, vim, pela primeira vez, a Portugal. Foi há quatro anos atrás. Eu gostei muito de Portugal, também gostei muito dele, e assim tudo começou. Durante três anos, a nossa relação aconteceu à distância. Depois ele pediu-me em casamento, entretanto começou o Maidan, tive de ficar na Ucrânia por mais um ano, porque eu não podia imaginar deixar o meu país naquele momento. Mas, passado um ano, exausta física e psicologicamente, decidi dar este passo. Percebi, então, que, mesmo estando aqui em Portugal, também poderia ajudar o meu país, talvez ainda mais do que na Ucrânia, utilizando os meus recursos, a minha experiência. Assim, o meu dilema interior ficou resolvido. Em seguida, pedi a demissão no meu trabalho, que eu adorava, deixei todos os meus amigos, família e vim aqui.

— Qual era a tua ocupação em Kiev? Já conseguiste encontrar trabalho na tua área em Portugal?
— Em Kiev eu tinha uma carreira bastante bem sucedida em marketing e recursos humanos, durante um ano fui presidente da comissão de relações públicas da Associação Europeia de Negócio. Aqui em Portugal também trabalho na minha área.
— Além de teu trabalho principal, tu és a organizadora e curadora de vários projetos ao mesmo tempo, “Comunidade dos jovens ucranianos em Portugal”, “Ukraine Crisis Media Center – Portugal”, “OKO”, “Dias de cultura ucraniana / UkrPortoDays”, “A Beleza Ucraniana”. Fala-nos, por favor, desses objetivos e sobre as especificidades de cada um.
— “Comunidade dos jovens ucranianos em Portugal” foi criada em Dezembro de 2014. Ela opera sob a forma de grupo no Facebook, e neste momento já tem cerca de 800 membros. Além disso, mensalmente encontramo-nos offline: conhecemo-nos, comunicamos, trocamos ideias, planeamos novos projetos e eventos culturais. Nós somos na maioria estudantes ou jovens, uns que vivem e trabalham em Portugal há vários anos, outros que chegaram mais recentemente. Entre nós há cientistas, músicos, empresários, artistas, atletas e outros. Em Portugal existe em funcionamento mais de 10 organizações ucranianas as quais têm atividades de voluntariado, caridade, organização de comícios de apoio da Ucrânia, eventos culturais, mas os jovens destas organizações não eram muito ativos. Entre a geração mais velha em Portugal, por vezes, ouviam-se queixas de que os jovens estão tão integrados na sociedade portuguesa que já não se interessam pelos acontecimentos na Ucrânia, viam-nos pouco patriotas, passivos. Nós conseguimos quebrar esse estereótipo, fazendo da nossa integração em movimentos e organizações locais, uma vantagem. Nos eventos que organizamos, sempre se juntam portugueses. Muitas vezes, integramos as nossas atividades num festival ou conferência portugueses. Em parceria com o projeto “OKO” iniciámos a investigação nos Media de língua portuguesa: qual o interesse deles sobre a Ucrânia, o que sabem sobre nós, o que se escreve. Também filmámos entrevistas com transeuntes portugueses sobre os seus conhecimentos e posicionamento face aos últimos desenvolvimentos na Ucrânia. Deu-nos uma melhor compreensão sobre estereótipos com os quais temos de lidar.
Depois disto foi criado um projeto de informação junto com o “Ukraine Crisis Media Center” – tradução para português de resumos das notícias mais importantes na Ucrânia, criação das infográficas etc, com uma regularidade semanal. Neste projeto trabalha uma equipa de 6 tradutores, 2 editores e 2 SMM-gestores.
Elaboramos um base de dados dos Media português, estabeleceram-se contatos com os jornalistas que escrevem sobre questões ucranianas.
Alguns outros projetos implementados por nós são: o discurso dedicado à Ucrânia no festival intercultural da Universidade do Porto, “Dias de beleza ucraniana” na costa do Atlântico, mostra de documentários, passeio de bicicleta e outras ações de apoio a presos políticos Oleh Sentsov e Nadiya Savchenko, vários flashmobs, celebração no dia de Natal e no Dia da Independência da Ucrânia, feiras de rua, a gravação de um audioguia em ucraniano para camionetas turísticas e recolha de assinaturas para aprovação no Parlamento de uma petição para a reabilitação dos militares ucranianos (70% das 4.000 pessoas que assinaram a petição são portugueses). O resultado, a de 20 Julho, o Parlamento de Portugal votou “a favor”. Agora os soldados ucranianos poderão ser tratados aqui. É bom que os portugueses entendam que os nossos militares a custo das suas vidas e saúde estão a defender a paz não só na Ucrânia, mas também em toda Europa. Estamos muito gratos a todos os que apoiaram a petição.
O objetivo da nossa atividade é preencher a lacuna de conhecimento e informação sobre a Ucrânia em Portugal, sobretudo entre o público mais jovem, distinguir a Ucrânia no espaço de informação do país “vizinho”, e criar uma nova imagem da Ucrânia para o exterior através da divulgação, para que haja um aumento do número de pessoas que conhecem a nossa rica cultura.
— Quais são planos da “Comunidade dos jovens ucranianos em Portugal” para o futuro?
— Em outubro deste ano, planeamos realizar um festival de três dias de arte contemporânea “A mesma língua”. Os participantes convidados são artistas tanto ucranianos como portugueses. “A mesma língua” é um festival-diálogo, partilha de introspeção e inspiração entre os artistas dos nossos países. Por exemplo, planeamos estabelecer um mural conjunto no Porto como um presente de gratidão para o mural-retrato de Serhiy Nihoyan na Praça da Centena Celestial em Kiev criado pelo o artista português Alexandre Farto (Vhils). Em programa temos a exposição de pinturas de jovens artistas, performances de bandas musicais, revelação de novos nomes, workshops e muitas mais coisas interessantes.

— Cooperaram com a Embaixada da Ucrânia em Portugal? De que forma?
— Sim, cooperamos. Nós estabelecemos, de imediato, comunicação com o recém-nomeada embaixadora da Ucrânia em Portugal, Sra. Inna Ohnivets. Ela parece um “motor” das mudanças, quase imediatamente depois de tomar posse iniciou uma série de projetos bilaterais, intensificou o diálogo com altos funcionários do governo de Portugal, comunica ativamente com jornalistas locais e regularmente reúne-se com os líderes das comunidades ucranianas. Convidou também a nossa comunidade para conversar com a juventude. E isso não é só conversação, ela realmente demonstra, através suas ações, um apoio informativo e logístico, oferecendo as instalações da embaixada para eventos.

— Quais foram as tuas primeiras impressões sobre este país, a primeira lembrança vivida, talvez até mesmo um “choque cultural”?
— Não tive nenhum choque. Portugal é o primeiro país para onde eu viajei, que parecia tão próximo que eu percebi que eu poderia viver aqui. Acho, que nós temos muito em comum com Portugal. A primeira impressão mais intensa foi o oceano. Eu sempre tive o sonho de viver perto do mar, e, finalmente, realizava-o.

— O que te parece ainda parece pouco comum, ou estranho? Qual foi a coisa mais difícil a que tiveste de te adaptar?
— Era estranho as casas não terem aquecimento central. É muito frio no inverno dentro de casa, mas eu espero habituar-me a isso. Já passei dois invernos. Outra coisa pouco comum, talvez, era o ritmo de vida. Levei algum tempo para mudar o meu estilo de vida, para, finalmente, relaxar e travar o meu ritmo frenético. Precisei de tempo para perceber que a vida está a acontecer já, que devemos aproveitar cada dia. A vida em Kiev é mais stressante: estás sempre com pressa, sentes a pressão e competição, raramente consegues relaxar e olhar ao redor. A vida no Porto é mais moderada, o tempo não está a correr e eu gosto o meu novo estado.
— Por favor, menciona três estereótipos que os portugueses têm sobre os ucranianos.
— Eu não gostaria de falar em termos de estereótipos. Eu tenho a certeza, que aqui conhecem a Ucrânia através dos ucranianos que vivem neste país. Sempre que pergunto aos Português alguma coisa sobre a Ucrânia, eles dizem-me que o que sabem sobre a Ucrânia tem a ver com alguém que trabalhou para eles ou com eles. Nós temos boa reputação em Portugal porque somos trabalhadores, honestos e não somos preguiçosos. Talvez sejamos demasiado modestos e pouco confiantes.
— Foi difícil para ti integrares-te num novo ambiente?
— Eu ainda estou em processo. Posso dizer que não é muito fácil, mas nada é impossível. Naturalmente, no inicio existe a barreira da língua. Às vezes, por causa de um mal-entendido, palavras ou frases em português, pode parecer que as pessoas em torno estão a condenar ou criticar, mas, eventualmente, percebes que a maioria das questões estão nas nossas cabeças, e não na das outras pessoas. Se uma pessoa for entusiasta, ativa e tentar integrar-se na sociedade, a adaptação em Portugal não será um problema. O primeiro ano é mais difícil, mas tenho como os exemplos as experiências dos meus amigos que me inspiram, eu aconselho-me sempre com eles. Conhecendo as suas histórias, acredito que também eu conseguirei sentir-me plenamente realizada.

— Se existisse uma lista de dificuldades com as quais os imigrantes ucranianos têm de lidar, quais destacarias?
— Em primeiro lugar ficaria falta de informação. Por exemplo, quando me mudei para Portugal, estava a viajar com um pacote completo de documentos para legalização e fiz tudo de acordo com a lei. Muitos ucranianos viajam ao acaso, arriscam, às vezes quebram a lei, e isso é errado. Mais vale a pena gastar algum tempo para se preparar, é necessário traduzir diplomas para depois fazer o reconhecimento deles e poder trabalhar aqui na sua profissão. Infelizmente, esta falta de informação é um obstáculo criado por nós próprios. Do lado dos portugueses, eu não vejo nenhuns obstáculos: aqui há muitas oportunidades para os ucranianos graças às múltiplas línguas que falamos, a nossa educação e formação.
— Imagina que te era pedido que descrevesses Portugal só numa frase, o que dirias?
— Portugal é um país de pessoas que apreciam a vida e não têm pressa de viver.
— Em que momentos sentes mais saudades de Ucrânia?
— Quando penso na minha família. Eles nunca vieram a Portugal, mas eu sonho que um dia eles venham.

— Se pudesses trazer da Ucrânia alguma coisa imaterial para aqui, o que seria? E qual “souvenir” em troca levarias para a Ucrânia?
— Traria flexibilidade e ingenuidade ucranianas em situações de crise. E de Portugal para a Ucrânia levaria a capacidade de desfrutar, não stressar, capacidade de perdoar, deixar coisas estar e continuar a viver.
— Na tua opinião, o mais apreciam os ucranianos em Portugal?
— O clima.
— Como é que os ucranianos percecionam o ambiente multicultural de Portugal?
— Só posso dizer sobre mim: eu, realmente, gosto. Agora tenho uma amiga eslovaca, austríaca, espanhola, e eu gosto muito disso. Na Ucrânia, eu não tinha tantos amigos estrangeiros.
— Dizem que as pessoas aqui chegam à vida adulta mais tarde e nunca envelhecem. Concordas com esta visão?
— Sim! Por exemplo, eu tenho 31 anos, casei no ano passado, para a Ucrânia isto é muito tarde, mas aqui é cedo. Aqui as pessoas casam-se depois de fazer uma carreira e viajar meio mundo. A juventude em Portugal está muito mais ligada aos seus pais do que na Ucrânia.

— Como imaginaste a emigração? As tuas expectativas estão justificadas?
— Não imaginava. Eu nunca pensei que eu iria viver no estrangeiro. Pelo contrário, foi o destino que esteve na origem desta decisão. Eu acho que ainda não tenho bem a consciência disso. Ainda estou em alguma euforia, não sei.
— Desde que mudaste para Portugal a tua visão da vida na Europa mudou?
— A vida aqui ensinou-me a ser mais responsável em relação a outras pessoas, ser mais económica e mais atenta ao meio ambiente. De alguma forma, na Ucrânia não valorizamos as coisas que nos são dadas porque são relativamente baratas. Aqui, a eletricidade e água são muito mais caras e começas a valorizar mais estas coisas. Na Ucrânia, não estamos muito cientes destas questões.
— És capaz de reconhecer os teus compatriotas pela sua aparência? Como?
— Sim, muito fácil! Não sei como, é óbvio. Falando nas nossas mulheres, parece-me usam mais vezes vestidos do que calças, em comparação com as portuguesas.
— Continuas a celebrar os feriados ucranianos? Praticas os costumes da Ucrânia?
— Sim! No dia de Natal, e também com minhas amigas ucranianas no dia de Andriy organizamos Vechornytsi.
— Surgiram no teu calendário os novos feriados ou as novas tradições de família?
— Claro, porque temos uma família mista. Agora celebramos o Natal duas vezes: no dia 25 de dezembro e 7 de janeiro.

— Como mudaram os teus hábitos depois de te mudares para Portugal?
— Se calhar comecei a prestar mais atenção ao meu descanso, “parar o tempo” e apenas desfrutar o momento, apreciar as coisas simples e ser mais tolerante com os outros.
— Como se mudou ou diversificou a tua cozinha?
— A cozinha mudou. Eu não costumo cozinhar pratos ucranianos, provavelmente porque ainda não experimentei todos os pratos portugueses. Eu adoro a cozinha portuguesa.
— O que recomendarias aos teus compatriotas para que eles se integrassem com sucesso?
— Preparar-se para mudança. Acreditar em si próprio. Estar preparado para o período de adaptação que será difícil. Ser positivo. Independentemente do que acontecer sempre encarar a situação de uma forma otimista e assim tudo vai correr bem.
— Pensas voltar para a Ucrânia?
— Nunca digas nunca. Pode ser que Portugal não seja o último país onde eu vou viver.
Entrevista conduzida por Galyna Komar
Traduzido do ucraniano por Galyna Komar e Luís Candeias
Fotografia facultada por Tanya Franchuk