O projeto “Ucrânia além fronteiras: Portugal. Emigração em retratos” apresenta uma série de entrevistas com ucranianos que vivem em Portugal. Este é um projeto de investigação da comunidade ucraniana em Portugal. Sendo um projeto bilingue, por um lado ajuda os ucranianos a conhecerem melhor a vida dos seus compatriotas, as suas histórias, especialmente aqueles que também vivem no estrangeiro, por outro lado, pretende tornar mais visíveis os estrangeiros que vivem na atual sociedade portuguesa, que se caracteriza por uma forte multiculturalidade, na qual os ucranianos ocupam um lugar significativo.
O projeto pretende, ao aprofundar o conhecimento sobre a vida dos ucranianos, entender melhor as dificuldades com que se deparam, o nível de sucesso na integração, como preservam a sua identidade e o impacto que têm na vida portuguesa.
A autora do projeto Galyna Komar sublinha: “Vemos as diferenças entre pessoas e culturas, não como o que nos separa e fecha, mas sim como aquilo que se pode partilhar e conhecer, reconhecendo a diversidade e riqueza cultural do mundo, e do que significa ser humano”.
Autora: Galyna Komar
Fonte: “Ucrânia além fronteiras: Portugal. Emigração em retratos”
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— Yana, conta-nos, por favor, a história da tua vinda para Portugal? Há quanto tempo estás aqui?
— Já moro aqui há três anos, embora nunca tenha planeado vir para Portugal. Se pensasse em viver no estrangeiro, seria talvez na Polónia, nunca em Portugal, sempre tive uma ligação com a Polónia por causa do estudo e do grupo de amigos. Mas, os meus pais vivem em Portugal já há muito tempo e eu decidi visitá-los. Era interessante, finalmente, visitar o país onde moram, conhecer a cultura e a natureza que os circunda e junto de que pessoas vivem eles. Quando vim para Portugal não tinha planos a longo prazo, mas, quando cheguei aqui, percebi que havia mais perspetivas e oportunidades de trabalho e de desenvolvimento pessoal. Além disso, na Ucrânia a crise agravou-se, então eu decidi seguir o conselho dos meus pais e ficar aqui. Decidi testar a minha força de vontade e acho que não foi em vão.
— Consegues lembrar-te do teu primeiro momento de delícia, de encantamento?
— Sim! Isto aconteceu na Nazaré, com o oceano e as ondas. Portugal, em geral, encantou-me com a sua natureza, oceano, vegetação, porque aqui, mesmo durante o inverno, dá para ver uma variedade de flores que, na Ucrânia, podemos desfrutar apenas em estufas.
— Quanto à cultura, talvez tenhas ficado surpreendida com algumas coisas que nunca tinhas visto na Ucrânia?
— Fiquei espantada com as celebrações do Dia de Santo António em Lisboa e de São João no Porto. Parecia um carnaval. Todas as pessoas ficam muito animadas e são muito hospitaleiras, as ruas cheias de pessoas que parecem uma grande família. Na Ucrânia, nunca é assim, nem mesmo durante a celebração do Ano Novo. A primeira impressão de Portugal foi muito positiva. Gostei muito do clima. Gostei da companhia dos portugueses, o discreto e relaxado estilo da vida deles. Acho que Portugal é um bom país para uma vida familiar equilibrada.
— E ao contrário, consegues lembrar-te do primeiro momento de stress?
— O stress veio junto com a consciência de que o meu visto tinha terminado, e que eu não conhecia o processo de legalização, não tinha nenhuma ideia de como encontrar um contrato de trabalho, o que fazer a seguir.
— O que te parece ainda pouco comum, ou estranho? Qual foi a coisa mais difícil a que tiveste de te adaptar?
— A coisa mais difícil de me acostumar foi com a rotina diária, com horário português. Por exemplo, o facto que aqui as pessoas começam a sair de casa para jantar às nove da noite para mim era bastante estranho, na Ucrânia, eu nunca fiz isso.
— Na tua visão, quais são os estereótipos mais comuns que os portugueses têm sobre os ucranianos?
— Os portugueses dizem que os ucranianos aprendem a língua muito rapidamente. Alguns pensam que os ucranianos são persistentes e são trabalhadores, mas, ao mesmo tempo, gostam de se despachar do trabalho de forma rápida. Também dizem que nos podemos comportar de forma distante numa primeira abordagem.
— Foi difícil para ti integrares-te num novo ambiente?
— Sim e não. Foi difícil, porque quando eu vim para cá não trouxe toda a documentação traduzida (eu não tinha planos de ficar), não falava a língua e não imaginava o que poderia fazer neste país. Foi fácil, porque conheci pessoas que me ajudaram muito, tive grande apoio nos primeiros passos da minha vida aqui. O facto dos meus pais viverem cá também ajudou imenso. Eu não imagino como eu ficaria sem o apoio da família. Foi difícil, mas mais em termos morais, como eu estava acostumada a ver-me na Ucrânia, identificar-me com o meio ambiente de lá. Os meus pais foram um apoio indispensável, mas eu ainda tinha o desejo de sair de casa da família e tentar uma vida independente. Os meus pais vivem em Leiria, eu tentei estabelecer a minha vida em Lisboa e acho que a tentativa foi bem sucedida e há perspetivas para o futuro.
— Como está o teu português?
— No inicio o português assustou-me ao ponto de me afastar. Pareceu-me uma língua demasiado expressiva. Mas, pouco a pouco, comecei a percecionar, perceber e deixei de ter medo. Mas ainda tenho dificuldades em falar. Sinto que não consigo expressar livremente a minha opinião em português.
— Já conseguiste encontrar um trabalho?
— Sim! Trabalho para empresa “Fujitsu” no serviço de apoio ao cliente. Eu nunca esperei que alguma vez fosse ter um trabalho com contrato, benefícios e um bom salário, num ambiente internacional, com outros estrangeiros, como eu. No meu trabalho comunico principalmente com estrangeiros ou pessoas que cresceram em famílias de emigrantes no estrangeiro, mas regressaram a Portugal. Entre os meus colegas há italianos, polacos, húngaros e outros. O ambiente é interessante, multicultural, na sua maioria jovens, há alguns mais velhos, mas todos estão na mesma “onda”, por isso é agradável trabalharmos juntos.
— Fala-nos, por favor, algumas palavras sobre o teu tempo de lazer. O teu estilo de descanso mudou?
— Em Kiev, eu sentia-me mais à vontade, sabia que podia ir ao teatro, sessões de poesia, outras atividades, mas aqui ainda há a barreira da língua. Para mim, neste momento a vida cultural de Lisboa é como um espaço virgem por descobrir, que ainda preciso de habitar. Tenho a impressão de que a vida cultural em Kiev ou Lviv é mais rica do que em Lisboa, mas talvez esta impressão seja errada e deve-se ao facto de não saber o que está acontecendo aqui. Em Kiev participava mais na vida cultural. Aqui, recentemente, participei num Seminário de Terapia dos Contos de Fadas realizado em Sintra.
— Fala-nos, então, da tua participação nesse seminário.
— Eu não posso dizer que conheça bem, como a palma da mão, a terapia de conto de fadas, mas, às vezes, inspira-me e leva-me a refletir, procurando nas ações dos personagens dos contos de fadas as respostas às questões que nos preocupam. Estou convencida, que através de terapia dos contos de fados uma pessoa pode chegar a um outro nível de desenvolvimento, passar por uma espécie de iniciação pessoal e ajudar a resolver alguns conflitos interiores. Terapia dos contos de fados é efetiva tanto para crianças quanto para adultos.
— Qual é a personagem dos contos de fados mais próxima de ti?
— Para mim a mais próxima é a imagem da Bela Adormecida. Às vezes tenho a impressão que dentro de mim dormem algumas esperanças escondidas, alguma força interior, que ainda não encontrou a sua expressão e que espera um catalisador. Ainda em Kiev, participei num projeto de arte de Tarás Polatayko, que se chamou “A Bela Adormecida”. Eu descobri esse projeto na internet e achei-o tão estranho e, ao mesmo tempo, tão engraçado pelo seu formato, que logo me despertou grande curiosidade: como é que isto vai acabar? Então, fiquei decidida a ir ao “casting” de “Belas Adormecidas”, e fui escolhida como uma delas. Segundo as condições do projeto, antes de entrar na sala o visitante assinava um contrato que o obrigava a casar com a Bela que acordasse (abrisse os olhos) em resposta ao seu beijo.
— Tu realmente estavas pronta a casar com aquele para quem tivesses aberto os olhos?
— Sim! Foi como um mergulho no mistério, como um tiro no escuro. Eu tinha uma ideia na minha cabeça: abro os olhos àquele que me beijar na testa.
— Yana, participas na vida cultural da comunidade ucraniana em Portugal?
— Sim! No Natal passado participai no Vertep ucraniano. Fui um anjo. Estávamos a representar num café no Largo Intendente. O programa festivo constou de uma série de canções de Natal ucranianas. Também mostrámos ao público um clipe de Oleh Skrypka “Shchedryk” sobre a magia do Natal. Partilhámos com todos biscoitos caseiros e bebidas quentes.
— Qual foi a reação do público português ao vosso desempenho: canções de Natal ucranianos, trajes? Em que idioma falaram as personagens do Vertep?
— As personagens falaram em ucraniano, mas a apresentadora explicava ao público em português o que estava acontecendo, que músicas cantávamos, falou sobre as tradições ucranianas. Para os portugueses isto era algo novo e desconhecido. Reagiram calorosamente, com interesse. Na verdade, eu acho que os portugueses estão abertos aos estrangeiros, é um povo hospitaleiro, uma nação acolhedora.
— O que recomendarias, dado a tua experiência, às pessoas que vêm para Portugal agora?
— Ter um plano. Conhecer novas pessoas, aprender a construir uma relação produtiva, ser inteligente, ter foco, ter um objetivo. Não “poupar” esforços. Temos de saber o que queremos da vida, seja ganhar dinheiro, seja estudar, seja organizar a sua rotina para facilitar a vida familiar.
— Segundo a tua opinião, quais são as dificuldades com as quais os ucranianos muitas vezes têm de lidar?
— Quando eu acabei de chegar, estava principalmente entre os imigrantes, incluindo ucranianos, russos e bielorrussos, porque durante 4 meses fui voluntária no JRS serviço social onde vinham principalmente pessoas mais velhas à procura de trabalho, eu ajudava-os traduzindo do ucraniano e russo para inglês, porque ainda não sabia português. Eu gostei de trabalhar lá porque sentia que estava a fazer alguma, não me limitando a ficar à espera de uma oportunidade. Em primeiro lugar, a grande dificuldade é a legalização. Em segundo lugar, é encontrar trabalho, se pessoa não tem documentos. E, finalmente, a integração na sociedade, não no sentido de construir uma carreira ou encontrar um bom trabalho, mas em termos de se sentir livre neste país, indo para além de seu ambiente cultural ucraniana do costume, comunicando com os portugueses, com pessoas de outras nacionalidades, tendo uma visão ampla.
— Imagina que te era pedido que descrevesses Portugal só numa frase, o que dirias?
— Portugal é um país de pessoas solares, onde se desfruta a vida e se acredita num futuro melhor.
— Em que momentos sentes mais saudades da Ucrânia?
— Nas festas, nos nossos feriados. Por exemplo, quando chega altura do Natal, lembro-me como nós celebramos em família o Natal na Ucrânia, onde normalmente há neve e as tradições são muito diferentes. Também tenho saudades quando me lembro dos meus amigos, quando vejo nas redes sociais momentos importantes na vida deles, nos quais gostaria de participar. Aí sinto vontade de me encontrar com eles e falar-lhe, ao vivo, gostaria que estivéssemos perto uns dos outros. No primeiro ano tinha muitas saudades, depois habituei-me. Mas teria muito prazer em ir lá, planear umas visitas a lugares que são significativos para mim em Kiev e em Cherkasy.
— Na tua opinião, o que mais apreciam os ucranianos em Portugal?
— O nível da vida mais alto e, se calhar, mais liberdade social. Não, eu não posso dizer que sociedade na Ucrânia é totalitária, mas, na minha opinião, aqui os ucranianos aspiram mais livremente.
— Como tu entendes o conceito “estrangeiro”? Sentes-te em Portugal como em casa? Se há, em que momentos te sentes uma estranha neste país?
— “Estrangeiro” associo a desafios, a provas morais, a superação de dificuldades e, por fim, a regresso feliz ao seu cantinho. Já sinto Portugal como a minha casa, porque encontrei aqui pessoas de que gosto muito, que estão próximas do meu coração. Também cá vive a minha família. Estranha sinto-me quando estou nalguns sítios públicos onde tenho de solicitar alguma coisa, sinto-me incompetente, especialmente quando se trata de assuntos burocráticos.
— Como é que os ucranianos percecionam o ambiente multicultural de Portugal?
— Eu acho que eles se sentem bem, e o facto de aqui haver outras nacionalidades, por exemplo, imigrantes dos países africanos e brasileiros, traz um outro colorido à sociedade.
— Dizem que as pessoas aqui chegam à vida adulta mais tarde e nunca envelhecem. Concordas com esta visão?
— Parece que é, na verdade, assim. Em Portugal, as pessoas não estão com pressa de assumir responsabilidades familiares cedo. A velhice neste país é feliz. Aqui podemos ver um monte de avós que continuam a comunicar-se ativamente bebendo café nas pastelarias, e que têm uma aparência muito elegante e alegre, não como eu costumava ver na Ucrânia. Na Ucrânia as pessoas parecem mais cansados, sem perspetivas, não desfrutem do momento que vivem, apenas esperam o fim da vida, em vez de aproveitar esta fase mais liberta.
— Desde que mudaste para Portugal a tua visão da vida na Europa mudou?
— Enquanto vivia na Ucrânia imaginava a vida na Europa mais ou menos assim como a conheci quando me mudei para aqui: mais oportunidades para viajar, mais mobilidade académica e mais oportunidades para o enriquecimento cultural porque não há fronteiras, dá para viajar muito e visitar os museus em diferentes países.
— Continuas a celebrar os feriados ucranianos?
— Continuo a celebrar com a família o Natal ucraniano e a Páscoa.
— Surgiram no teu calendário os novos feriados ou as novas tradições de família?
— Não, não surgiram. Talvez no futuro vão surgir.
— Como se mudou ou diversificou a tua cozinha?
— Claro que mudou, adicionei pratos portugueses. Gosto muito de peixes e frutos do mar. Também adoro o facto de aqui haver sempre uma grande variedade de frutas e legumes. Na Ucrânia, eu não poderia desfrutar durante todo o ano de frutas e legumes frescos. Em Portugal, a minha dieta tornou-se mais saudável.
— O que achas das sobremesas portuguesas?
— Eu não diria que adoro os doces e os bolos de cá, mas gosto mesmo de mousse de chocolate e leite creme.
— Dizem que é mais frequente, nos casamentos mistos, mulheres ucranianas com homens portugueses do que homens ucranianos com mulheres portuguesas. Porque será?
— Sim, eu observei esta tendência, mas não analisei. Eu não posso dizer por que é que isso acontece. Talvez porque as ucranianas se sintam mais livres com homens europeus e os homens ucranianos são mais tradicionais, e não se apresentam ao lado de uma mulher mais emancipada.
— Pensas voltar para a Ucrânia?
— Não! Talvez um dia volte, mas neste momento não penso nisso.
Entrevista conduzida por Galyna Komar
Traduzido do ucraniano por Galyna Komar
Fotografia facultada por Yana Gurzhii e Galyna Komar