O projeto “Ucrânia além fronteiras: Portugal. Emigração em retratos” apresenta uma série de entrevistas com ucranianos que vivem em Portugal. Este é um projeto de investigação da comunidade ucraniana em Portugal. Sendo um projeto bilingue, por um lado ajuda os ucranianos a conhecerem melhor a vida dos seus compatriotas, as suas histórias, especialmente aqueles que também vivem no estrangeiro, por outro lado, pretende tornar mais visíveis os estrangeiros que vivem na atual sociedade portuguesa, que se caracteriza por uma forte multiculturalidade, na qual os ucranianos ocupam um lugar significativo.
O projeto pretende, ao aprofundar o conhecimento sobre a vida dos ucranianos, entender melhor as dificuldades com que se deparam, o nível de sucesso na integração, como preservam a sua identidade e o impacto que têm na vida portuguesa.
A autora do projeto Galyna Komar sublinha: “Vemos as diferenças entre pessoas e culturas, não como o que nos separa e fecha, mas sim como aquilo que se pode partilhar e conhecer, reconhecendo a diversidade e riqueza cultural do mundo, e do que significa ser humano”.
Autora: Galyna Komar
Fonte: “Ucrânia além fronteiras: Portugal. Emigração em retratos”
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— Andriy, o xadrez na Ucrânia ocupa um lugar bastante importante. Temos jogadores de xadrez conhecidos mundialmente, como as irmãs Muzychuk.
— Sim, realmente vale a pena mencionar não só irmãs Muzychuk, mas o campeão mundial Ruslan Ponomariov. Também nos 10 melhores jogadores a nível mundial há sempre, pelo menos, dois ucranianos. É por isso que o xadrez ucraniano realmente tem um poderoso lugar no mundo.
— Como começou o teu caminho no xadrez em Portugal? Fala-nos, por favor, das tuas realizações.
— Em primeiro lugar, quando cheguei a Portugal, trabalhei apenas como jogador de xadrez profissional. O meu primeiro clube de xadrez foi “Alekhine”. Aliás, este é o mais antigo clube de xadrez em Portugal. O seu nome está associado ao quarto campeão mundial de xadrez Alexander Alekhine, que morreu em Portugal, e o hotel onde morou, é agora um museu em sua memória que pode ser visitado no Monte Estoril. As minhas primeiras vivências de xadrez em Portugal, estão, pois, relacionadas com “Alekhine”. Mas, uma vez que o xadrez não é um desporto que pode substituir o trabalho, tive também de dar aulas. Para isso é necessário ter formação pedagógica. Tornou-se útil, o diploma que obtive na Ucrânia, concluí na Universidade Pedagógica de Ternopil (uma cidade na Ucrânia), uma especialização em psicologia social e pedagogia. Também tive de passar à categoria de mestre de desporto, porque nos colégios preferem professores que se tenham profissionalizado na sua área desportiva. Além disso tive de acabar o curso de treinador. Portanto há já dez anos, que jogo e ensino, antes disso era só jogador. Comecei pelos clubes de xadrez, e, a seguir, foi-me oferecido um emprego num dos colégios. A pouco e pouco, a secção de base do colégio transformou-se num clube de xadrez que funciona em horário pós-laboral. Ao mesmo tempo, foi-me pedido que abrisse uma secção de xadrez no Sporting Clube Portugal. No Sporting trabalhei durante 7 anos, mas agora, desde que apareceram projetos mais interessantes para mim, trabalho apenas em colégios. Durante os últimos quatro anos, desde que o colégio começou a participar em competições de Desporto Escolar, temos ganho sempre na zona de Lisboa e zona Centro. Quando jogamos a nível nacional como existem adversários do Norte, conseguimos apenas alguns primeiros lugares nas várias categorias de idade. Depois no campeonato interescolar, há uma escola de Gaia, se não me engano, onde há centenas de crianças envolvidas, há também dezenas de treinadores, portanto, não é tão simples ganhar.
— Como surgiu a ideia de criar uma secção de xadrez na escola ucraniana?
— A ideia surgiu naturalmente – preciso de ganhar dinheiro, e este é o trabalho que eu adoro. Também gostaria de encontrar um ou dois talentos entre crianças da escola ucraniana que pudessem competir a um nível máximo. Neste momento a nossa secção tem em funcionamento só o segundo ano no centro educativo-cultural ucraniano “Dyvosvit”. Ainda não temos muitas crianças, mas há alguns que se vê que têm futuro. Se os pais e as crianças continuarem a estar tão motivados como estão agora, estou certo que dentro de algum tempo teremos bons resultados.
— Quantas crianças atualmente participam na seção? Em que grupos de idade?
— Temos alunos do primeiro ao nono anos. A escola “Dyvosvit” é pequena, tem à volta de duzentas crianças, e no xadrez cerca de 15 o que, percentualmente, não é mau, considerando que algumas escolas maiores têm secções com menos alunos do que nós.
— Na secção da escola ucraniana as crianças que participam já sabem jogar, ou estão apenas a dar os primeiros passos? A que categorias pertencem?
— Em Portugal não existem categorias como na Ucrânia. As crianças obtêm uma seriação inicial, que, com as respetivas vitórias pode subir e com derrotas descer. Existem os seguintes títulos: a de candidato a mestre de desporto – acima de 2100, mestre de desporto – acima de 2200, mestre de classe internacional – acima 2400 e grande-mestre – acima de 2500. Grande-mestre em Portugal não é possível obter, neste país há apenas dois grandes-mestres, e, como para obter esse título é necessário jogar 3 vezes em torneios onde participem no mínimo 6 grandes-mestres obtendo, pelo menos, 50% da pontuação. Torneios a este nível temos de os procurar no estrangeiro ou aproveitar as raras oportunidades em que Portugal convida jogadores de topo para virem jogarem cá, procurando assim tornar mais popular esta modalidade.
— Quais são os planos para futuro?
— Temos planos para passar a federadas as nossas crianças. Porque, até agora, eles participam só em competições de escola, ou em competições privadas, quer dizer, em torneios que não têm o apoio da federação. Trata-se apenas de torneios de fim de semana, onde podemos jogar, encontrar amigos, conversar e voltar para casa. Quando sentir que eles estão prontos a apresentar bons resultados, tratarei de os federar.
— Os pais apoiam as tuas intenções?
— Os pais apoiam, claro. O Xadrez – é um desporto de que os pais gostam, porque a crianças tornam-se mais concentradas, desenvolve o pensamento abstrato, analítico, a memória, ajuda a aprendizagem da matemática. A única coisa que às vezes compromete a qualidade dos resultados é se estas estão apenas porque são obrigadas. É necessário que elas próprias crianças tenham o desejo de aprender, no xadrez de outra forma não pode ser. Falando sobre apoio, também deve ser dito que, desde que a nossa secção de xadrez apareceu, temos o grande apoio da escola ucraniana em tudo. Nós organizamos torneios, onde participam os pais e as crianças que embora não participem da secção estão interessados, em testarem a si próprias. Durante os torneios, as crianças desenvolvem comportamento competitivo saudável porque estão mais concentradas do que normalmente, e isto é muito importante para eles.
— Qual é a situação do xadrez em Portugal?
— Nos últimos anos em Portugal tem vindo a ser dada cada vez mais atenção ao desporto infantil. Por isso, as condições estão a melhorar. A federação apoia as crianças que ganham campeonatos em Portugal, através de financiamentos para cobrir despesas dos Campeonatos Europeu e Mundial. Neste momento há uma quantidade razoável de jovens talentos em todo Portugal. Se até há 5 – 6 anos atrás nos torneios participavam mestres, na sua maioria mais velhos, nos últimos anos há uma série de jovens mestres portugueses que se têm distinguido nos Jogos Olímpicos, nas Olimpíadas de Xadrez, apresentando resultados muito acima do que era habitual para este país. Portanto o xadrez em Portugal desenvolveu-se muito vigorosamente.
— Conta-nos, por favor, alguma experiência interessante da tua carreira.
— Se calhar, um dos exemplos mais interessantes é o caso de um aluno meu, que, aos 8 anos de idade quando começou o xadrez, tinha um diagnóstico de hiperativo. Lidamos frequentemente com hiperatividade, porque os pais têm vindo a optar pelo xadrez para ajudar as crianças a focarem-se. O meu aluno que era uma criança tão hiperativa que quase caia na histeria, em quatro anos tornou-se um campeão, que já tem a categoria de mestre, que já ganhou à maioria dos mestres portugueses. Não parece a mesma criança. O xadrez mudou completamente o seu comportamento e a sua compreensão do mundo. Tais casos não são muito frequentes. Infelizmente ainda não há tantos exemplos como este, porque a hiperatividade às vezes precisa de uma abordagem também psicológica, terapêutica. No entanto, o impacto do xadrez é um facto inegável.
— Conta-nos, por favor, a história de tua vinda: como é que tu vieste para Portugal? O que te trouxe a este país?
— Antigamente pensava que a minha vida estaria ligada à psicologia, mas percebi que esta profissão não me daria as perspetivas que desejava, decidi tentar algo no estrangeiro. Ainda não sabia o que é que iria fazer, queria só viajar, conhecer o mundo. Assim, quando vim para Portugal e vi que a gama de possíveis trabalhos não é assim tão ampla, lembrei-me do xadrez.
— Gostas de Portugal como país?
— Portugal – um país maravilhoso para se viver, considerando o clima e a abertura das pessoas. Se contarmos os aspetos positivos de Portugal, estes excedem, em muito, alguma pequena desvantagem, que provavelmente estará associada a alguns períodos prolongados de chuvas. Então, certamente que, se encontras um trabalho de que gostas, não há qualquer razão para mudar para onde for, mesmo que tenha uma economia mais forte.
— Talvez tenhas observado que alguns ucranianos têm dificuldades na integração?
— As dificuldades surgem quando as pessoas vêm para aqui apenas para ganhar dinheiro e querem regressar a casa, depois de algum tempo. Neste caso, é difícil integrar-se na sociedade. Infelizmente, eles próprios se fecham, isso aplica-se não só a ucranianos, como também a russos e outros imigrantes de países do Leste Europeu. Muitas vezes as pessoas têm medo de arriscar, não fazendo o que eles faziam em casa, acomodam-se e sujeitam-se a qualquer trabalho. Eu apoio a ideia de que se pode sempre, pelo menos, tentar. É possível trabalhar em empregos temporários, mas, ao mesmo tempo, tratar da equivalência do seu diploma e continuar a desenvolver-se.
— O que recomendarias aos teus compatriotas para que eles se integrassem com sucesso?
— Eu aconselharia que, simplesmente, tentasses fazer aquilo de que gostas e que gostas do fazes – isto é o mais importante. Se o trabalho não trouxer satisfação, se este só cansa e deprime, tudo fica muito difícil. Estou muito feliz porque os meus me proporcionaram a prática do xadrez. O xadrez ajudou-me em vários aspetos da vida. Até durante o estudo, na escola e na universidade, eu tive sempre regalias porque jogava em nome das instituições. E agora o xadrez é a minha profissão. Há muitos profissões que se podem ter em Portugal, para isso precisamos só de querer, aprender a língua e perseverar.
— Sentes-te em Portugal como em casa?
— Eu sinto que tenho duas casas: a casa onde eu cresci e a casa que eu consegui criar aqui.
— Dizem que as pessoas aqui chegam à vida adulta mais tarde e nunca envelhecem. Concordas com esta visão?
— Que nunca envelhecem, concordo, porque as pessoas em Portugal, mesmo em idade madura, encontram novos interesses e continuam a aprender.
— Continuas a celebrar os feriados ucranianos? Praticas os costumes da Ucrânia?
— Sim, quando é possível celebro. Eu tento manter as tradições transmitidas pela minha família.
— Como se mudou ou diversificou a tua cozinha?
— A cozinha diversificou-se. Aos pratos preferidos ucranianos juntei uns portugueses, especialmente de bacalhau e saladas de frutos do mar.
— Que provérbios portugueses passaste a usar e com que ditos ucranianos enriqueceste a língua portuguesa?
— A maioria de proverbio que conheço desde pequenino também existe em português. Para mim isto revela a aproximação das nossas duas culturas.
— Pensas voltar para a Ucrânia?
— Eu pretendo continuar a ir lá de férias, mas, como abri tantos projetos aqui, e as crianças que acreditam em mim e precisam de mim estão aqui, provavelmente, num futuro próximo ficarei cá.
Entrevista conduzida por Galyna Komar
Traduzido do ucraniano por Galyna Komar
Fotografia facultada por Andriy Ferents e Galyna Komar